Halloween em Itaewon: tragédia é a segunda maior na Coreia do Sul desde 2014

Laura Posterlli, com informações de The Korea Times e supervisão de Karina Anunciato

Na madrugada dos dias 29 e 30 de outubro, Itaewon – popular bairro badalado de Seul, capital da Coreia do Sul – recebeu, depois de quase 3 anos, sua famosa festa de Halloween, o internacional “Dia das Bruxas”. Contudo, a noite terminou em tragédia após pânico e esmagamento, com a contagem atual de mortos em 156.

A tragédia

Itaewon é um distrito famoso por seus bares, restaurantes, baladas e festas – e é especialmente famoso, também, por sua festa anual de Halloween, que tem mais de 10 anos de tradição. Este ano, o bairro recebeu a primeira edição sem máscaras e restrições de distanciamento social desde 2019, o que juntou uma multidão de mais de 100 mil pessoas.

A tumultuação alcançou o seu apogeu quando a multidão adentrou uma ruela estreita e oblíqua, imediatamente à oeste do Hotel Hamilton, em Itaewon. A ruela de 41 metros de comprimento e apenas 4 metros de largura, mal tem espaço para 6 adultos parados um ao lado do outro, e corre entre a via principal de Itaewon e outra rua movimentada, a Itaewon World Food Street, que corre atrás do hotel.

As ligações de emergência começaram a cair às 22h24 no sábado (29) quando a multidão, ao atravessar essa estreita rua, ficou presa no meio da quantidade de pessoas forçadas em um espaço pequeno. Além de asfixia e paradas cardíacas, muitos faleceram por consequências de pisoteamento e esmagamento, no que jornais estão chamando de “crowd crush” (tradução literal: esmagamento de multidão).

Até agora, foram confirmadas no mínimo 156 mortes (sendo que 26 são estrangeiros), além de 152 feridos, 30 em estado grave. Dentre as mortes, chamaram a atenção alguns nomes famosos: o ator de 24 anos, Lee Ji-han, que ficou famoso pelo reality de sobrevivência de 2017 do canal Mnet, “Produce 101” (segunda temporada); Kim Yu-na, também de 24 anos, que foi uma líder de torcida para os times de beisebol LG Twins, em 2016, e KIA Tigers, em 2018; e a sobrinha do Representante do segundo distrito congressional de Ohio na Câmara dos Representantes nos EUA, Brad Wenstrup, Anne Marie Gieske.

O governo metropolitano de Seul disse no domingo (30) que recebeu cerca de 270 relatos de pessoas desaparecidas relacionadas ao acontecido no distrito de Itaewon. Todos os incidentes recebidos relacionados à tragédia estão sendo entregues à polícia, que está realizando esforços para confirmar as identidades das demais vítimas e entrar em contato com as respectivas famílias.

O desenvolvimento

Um dia após o acontecido, no domingo, a área foi isolada por fita de polícia e pertences pessoais das vítimas foram espalhados ao longo das bordas do beco que foi palco da tragédia. Em resposta às crescentes críticas à falha na prevenção do fatal crowd crush, um alto funcionário da polícia alegou que a polícia não previu que uma quantidade massiva de mortes aconteceria como resultado das festividades de Halloween desse ano.

Hong Ki-hyun, chefe do Gabinete de Gestão da Ordem Pública da Agência Nacional de Polícia, admitiu em reunião com repórteres, a falha da polícia em prever o colapso fatal da multidão de Halloween de Itaewon.

“Previa-se que um grande número de pessoas se reuniria ali. Mas não esperávamos que baixas em grande escala ocorressem devido à reunião de muitas pessoas”, disse Hong.

Porém, de acordo com Hwang Chang-sun, policial sênior que participou de uma reunião da Sede Central de Contramedidas de Desastres e Segurança hoje (1), muitas pessoas alertaram a polícia sobre a situação antes do incidente, mas suas ligações foram tratadas apenas como “relatos de inconveniência geral”. Relatos dos que estavam na cena, relembram que não houve controle de multidões naquela noite, e que não haviam oficiais supervisionando a situação ou direcionando o tráfego. Uma sobrevivente chegou a comentar que a superlotação começou às 17h e que ainda não havia segurança presente até o incidente começar a partir das 22h.

Desde então, a polícia está investigando a tragédia e analisando dezenas de relatos de testemunhas e imagens de câmeras de segurança para determinar a causa do acidente, disse um alto oficial da polícia na segunda-feira.

“Formamos uma equipe especial de investigação de 475 membros e estamos verificando de perto as circunstâncias do acidente, investigando testemunhas oculares e analisando imagens de vídeo de câmeras de segurança”, explicou Nam Gu-jun, chefe do Escritório Nacional de Investigação, a repórteres.

O resultado

No domingo, o presidente Yoon Suk-yeol anunciou um período de luto nacional até o dia 5 de novembro, e o parlamentar visitou ontem (31), com a esposa, Kim Keon-hee, o altar montado em luto às vítimas no Seoul Plaza, em frente à Câmara Municipal de Seul, no centro da capital, onde ambos deixaram crisântemos brancos em homenagem às vidas perdidas. Além desse, outro altar memorial temporário em luto à tragédia foi montado em frente a estação de metrô de Itaewon, próximo ao local do acontecido, também adornado com flores brancas.

O presidente também instruiu o governo, nesta segunda-feira, a criar um sistema de controle de multidões para eventos desorganizados e espontâneos, seguindo a tragédia.

“O presidente Yoon enfatizou a necessidade de criar um sistema de controle de segurança de prevenção de acidentes de multidão para uso durante eventos de grupos espontâneos que, como neste caso, não têm um organizador”, disse o vice porta-voz presidencial, Lee Jae-myoung, a repórteres.

No caso de eventos organizados, os organizadores são obrigados a elaborar medidas de controle de segurança e tê-las aprovadas pelos governos locais competentes e autoridades policiais e bombeiros, explicou.

O Primeiro Ministro Han Duck-soo, disse hoje, em reunião de resposta, que o governo também fornecerá ativamente apoio de saúde mental para ajudar a curar o trauma após o mortal crowd crush. Famílias enlutadas, feridos e cidadãos comuns afetados pelo desastre, estarão sujeitos a programas de tratamento mental organizados pelo governo.

“Não apenas as famílias enlutadas que sofreram com o acidente, mas também muitas pessoas que estavam no local ou ouviram a notícia ficaram traumatizadas”, disse Han.

Além das medidas governamentais nacionais, seguindo os eventos da madrugada de sábado para domingo, muitos governos provinciais cancelaram seus festivais de outono, em respeito ao período de luto nacional. A decisão foi tomada em uma reunião de emergência do governo local, uma vez que os festivais anuais acontecem durante o período estipulado de luto.

Hoje, líderes religiosos afiliados à Conferência Coreana de Religiões pela Paz (uma das duas organizações guarda-chuva do país, composta por organizações religiosas para o protestantismo, catolicismo, budismo, Won budismo, confucionismo, Cheondo-gyo e a Associação para Religiões Nativas Coreanas) visitaram o altar de luto para as vítimas da tragédia. Após prestarem seus respeitos às vidas perdidas juntos, os líderes oraram separadamente com outros delegados de sua religião.

“Nunca deveria haver tal desastre novamente, e oramos pelo renascimento das vítimas no paraíso”, Ven. Jinwoo, chefe executivo da Ordem Jogye, a maior seita budista da Coreia do Sul, escreveu em um livro de visitas.

Itaewon

Localizado no Distrito central de Yongsan, os becos e ruas descolados de Itaewon já foram considerados um dos principais destinos na Coréia para celebrar o Halloween, antes da pandemia do COVID-19 atingir o mundo há três anos. Com boates, bares e restaurantes lotados, Itaewon é um lugar popular para coreanos “diferentes” se misturarem facilmente com pessoas de diversas culturas e origens étnicas e rendeu até inspiração para popular série de 2020, Itaewon Class.

Itaewon também conta com uma vida noturna vibrante e é um destino famoso para estrangeiros e locais, que não é estranho a grandes multidões – nos últimos anos, elas foram, inclusive, comuns. Ao contrário de algumas áreas mais tranquilas da cidade, as ruas de Itaewon recebem visitantes até altas horas, quase todas as noites da semana. O Dia das Bruxas é uma das épocas do ano em que a popularidade atinge seu ápice, mantendo a polícia local e os bombeiros em alerta máximo, no passado. Porém, o Halloween deste ano atraiu um número maior do que nunca de pessoas.

A primeira celebração de Halloween em três anos de Itaewon, atraiu uma multidão de mais de 100 mil pessoas fantasiadas para o bairro mais festeiro da capital. Dentre as mortes confirmadas, a maioria são de jovens no final da adolescência e começo dos vinte anos, porém foram identificadas também uma vítima estudante do ensino fundamental e cinco estudantes do ensino médio. Algumas opiniões, inclusive, consideram que a tragédia seja uma representação da divisão geracional entre coreanos mais velhos e mais novos: enquanto muitos das gerações mais velhas, membros do congresso e polícia inclusive, estão desinteressados nas celebrações do Halloween, as gerações mais novas, particularmente aqueles da Geração Z, têm o costume de celebrar a data anualmente – e sofrem com a falta de organização e cuidado por parte das autoridades.

Mas por que Itaewon é tão popular entre os jovens e notívagos e como o distrito manteve esse legado por décadas? Ao lado de Gangnam, Hongdae e Jamsil, Itaewon é um dos pontos quentes da capital – mas Itaewon tem algo a mais: é um espaço de multiculturalismo em Seul, com alguns até chamando a área de caldeirão cultural.

Um dos motivos por trás da revolta de muitos usuários das redes e estrangeiros com o acontecimento em Itaewon, é a negligência ao distrito que vem acontecendo há anos e que poderia ter evitado este desastre. Itaewon é um local conhecido por ser um antro de minorias em Seul, incluindo membros da comunidade LGBTQIA+, estrangeiros e até, simplesmente, pessoas com tatuagens. Conhecido por ser um país ainda com muitos preconceitos, o descaso da Coreia do Sul com o distrito vem de anos – e, caso a situação fosse outra, talvez esse desastre (considerado o pior sofrido pelo país em tempos de paz desde o naufrágio da balsa MV Sewol em 2014, que matou mais de 300 pessoas, em sua maioria estudantes) poderia ter sido evitado.